quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Gente que Sonha

E3

Sentado, naquela mesma lanchonete de sempre, conversando animadamente [só que não] sobre coisa alguma, ou talvez até fosse um bom assunto, porém agora pouco importa, olhava o celular a espera daquela leve vibração que atentava os meus olhos sinal de mais uma mensagem chegando.
Será que chegaria? E o que eu realmente esperava? Realmente não queria ter que responder essas perguntas.
Adriana me olhava, forcei uma risada seguindo o tom de todos os outros, mesmo sem ter a mínima idéia da piada, ela parou de olhar. Política, claro, esse era o tema, comentei o apoio de Marina, a discussão ficou mais séria, meus amigos e eu éramos ‘críticos políticos’, sem realmente entendê-la sonhávamos que ela levaria nossa cidade a algum lugar melhor, e todos amávamos esse assunto.
Enquanto ouvia Rivaldo declarar seu apoio a Serra, tendo protestos exaltados aos fundos, fui tomado novamente pelos meus pensamentos. Pior que naquele momento era a última coisa que queria fazer, meus pensamentos não conseguiam fugir daquela noite.
Faz 8 dias 1 hora 32 minutos 7... 8... 9... Segundos, preferia contar os segundos, [15... 16...] eles me mantinham presos em outro assunto [21... 22... 23...] que não era o acontecimento [?...], perdi a conta, está rápido demais.
Cabelo enroladinho, no pescoço, nem se enrolavam direito, castanho, não! Mel. Combinando com aqueles olhinhos expressivos, e evasivos, misteriosos e risonhos. Não mais risonhos que a boca fina, com covinhas salientes e um sorriso infantil totalmente inocente...
Não! Paro, deixa para lá, por que tenho que lembrar? Meus olhos já estavam muito limpos, não preciso lavá-los agora. Elton estava olhando para mim, sorrindo, não só para mim percebi com alívio. Todos estavam gargalhando Elton estava fazendo sua imitação especial do Prefeito, comecei a rir dessa vez mais natural. Realmente as imitações dele sempre me trouxeram muitos risos, como não rir daquele menino.
A risada se desfez muito antes do que o normal. Não tive como evitar, rir me fazia lembrar novamente daquele dia, e principalmente daquela criatura que me fez rir tanto. Não por ser engraçada, na verdade não o era, mas suas besteiras eram de um nível que me faziam rir, não tinha como impedir.
Pisquei os olhos, senti meu bendito olho molhado novamente, como se nunca fosse o bastante, sempre tinha mais. Adriana novamente me olhava, virei o rosto fingindo que não tinha percebido, estava prestando total atenção às palavras de Laura, a irmã mais nova de Adriana, que no momento estava brava com algo enquanto todos riam. Tentei acompanhar com o sorriso mais animado que tinha. Provavelmente não muito bom.
O relógio que a pouco andava tão rápido, agora parecia não passar, queria ir para casa, queria me trancar no quarto, novamente escutar música e dormir apenas, porém tive que aceitar o convite de Adriana. Todos estavam muitos preocupados, principalmente ela, que tinha o poder de ler minha alma, por isso a evitei por tanto tempo, mas um dia teria que enfrentar [um dia, não hoje...].
A comida no prato esfriava, congelava, mesmo tendo o garfo como companheiro, sempre a mexendo de um lado para o outro. A lasanha realmente não era das melhores, incrivelmente só eu tinha escolhido-a, acho que por isso ninguém parecia se importar com sua inanição.
A lanchonete era totalmente aberta, sem portas, apenas uma grande abertura para a rua, que no momento certo era fechada por um grande portão de ferro. Mesmo assim, a parede me chamava mais atenção do que a rua, no fim a rua não era muito movimentada mesmo, então não devia ter nada interessante.
Na verdade o que me interessava, pedia em silêncio que não aparecesse nunca mais, enquanto lá no fundo o chato do meu coração sussurrava “volta...”, mas quem liga para o coração? É tanto que o coração era mais distante da boca, enquanto o cérebro fica logo acima.
É claro, que o coração nada mais é do que um músculo que bombeia sangue, enquanto as emoções e sentimentos são processados no cérebro. Eu sei papo chato de um nerd... É difícil impedir!
Prefiro repensar todas as fórmulas de física do Ensino Médio, ou até mesmo relembrar todos os nervos cranianos suas funções e posições, não me falta vontade de rever a síntese do neurotransmissor GABA. Tudo é melhor do que essas incessantes memórias, que me trazem inevitavelmente o mesmo rosto.
Às vezes vem só marrom claro, uma cor, apenas isso, abaixo minha guarda me entrego à possibilidade de descobrir de onde vem esta cor. Triste erro, muito triste, o marrom claro se abre mostrando-se igual uma bola bem feita com um centro preto, rodeada de marrom e com o resto branco. E ai a bola se mexe, brilha e percebo de quem é, ver seu olho, que de uma hora para outra se expande mostrando por completo daquilo que não queria lembrar... Já era, lembrei novamente!
Balanço a cabeça tentando derrubar aquela imagem da minha memória, abro os olhos novamente Rivaldo está olhando para mim, com aquela cara de preocupação que tanto temia. Não que a preocupação fosse algo ruim, só não queria ter que responder as perguntas que a seguiam, possivelmente dirão meus amigos: “Falar sempre ajuda, se não falar vai acabar explodindo!”, não nego isso, tem horas que realmente sinto uma explosão incinerar meu coração.
Contudo, porém, todavia, pensar em falar é uma explosão ainda maior, ter que reconhecer aquele dia. Pior é pensar que poderia ter evitado tudo isso se tivesse ficado calado, foi por tentar não explodir que estou nessa situação.
Tenho que fazer algo Rivaldo realmente não tira os olhos de mim, olho para o prato novamente, e pergunto: “Tu quer comer minha lasanha? Acho que escolhi errado dessa vez, nem me concentrando ela desce!”. Soltando um sorriso, que espero tenha saído de forma sincera, espero a resposta dele.
Rivaldo sempre me zoa por comer devagar, na verdade ele sempre acaba terminando de comer por mim, o que me faz ficar sempre com uma cara de “indignado” e faz Adriana, namorada dele, rir muito.
Elton, antes da resposta de Rivaldo, já sorrindo chama a graça e começa a tirar onda: “Dessa vez não precisa nem roubar, olha que dia de sorte!”. Os outros riem, Laura quase gritando diz: “Eu já te disse que a lasanha daqui é ruim, inventa porque quer!”, agora sim todos caem na gargalhada enquanto Adriana morrendo de vergonha se certifica de que o dono da Lanchonete não ouviu.
A risada volta, Rivaldo e Elton ficam “disputando” o pedaço de lasanha fria como se fosse a última comida do universo, mesmo depois de terem comidos brotinhos e coxinhas, eles sempre podem comer mais.
Não consigo me agüentar, caio na gargalhada também, principalmente ao ver Adriana tentar separar os dois, e pedir um pouco de “educação” em público, o que faz com que os dois briguem ainda mais alto.
Por isso gosto deles provavelmente, isso se tivesse como saber o motivo do gostar, eles fazem babaquices e sempre me deixam felizes. É difícil ver tristeza neles, Elton na verdade nunca vi triste, já Rivaldo vi uma vez quando tentou voltar com Adriana depois de largá-la por causa de “aventuras” por ai. Enfim...
Resolvi não pensar mais, apenas rir, e curtir os poucos momentos que tenho com essa “mundiçinha” minha. Realmente não pensar, é uma característica minha, desligar o botão da consciência sempre foi para mim uma ótima forma de sobreviver a tudo...
            Parecia que estava dando certo, as brincadeiras de Rivaldo me faziam viajar em risadas, enquanto Paulo nos fazia cantar feitos doidos na lanchonete, eu estava feliz, não queria saber de mais nada só queria estar ali.
            Como queria ter aproveitado ainda mais estes momentos, se soubesse antes teria rido mais alto, quem sabe cantado com mais força, quem sabe... Porém não tinha como saber nê?
            Enquanto eu ria, abaixei a cabeça, meus olhos se fecharam, e quando abri eu vi...  Meu sorriso se congelou, aquelas pernas, aquele andar, não podia ser! Na verdade bem que podia, parte de mim sabia e queria que acontecesse, eu estava com saudade de ver, de sentir a presença, mas também sabia que não estava preparado para aquilo.
            Fechei os olhos e abri de novo, quem sabe aquilo não era apenas uma brincadeira dos meus olhos? Meu sorriso de congelado, simplesmente sumiu, não era ilusão.
            Aqueles olhos, no momento em que olhei aqueles olhos, eles me encontraram e me fitaram, e em poucos segundos se desviaram, apesar do pouco tempo senti o brilho fraco, não estava como antes, como naqueles momentos que vivemos juntos, quando riamos um do outro e acabávamos nos encarando sem motivo.
            Contudo, o sorriso estava tão lindo quanto antes, sempre simpático, o brilho no olhar voltou, acho que era coisa da minha cabeça, que fazia questão de me dar esperanças.
            O mesmo grupo de amigos, isso por tanto tempo me fez sorrir, mas agora realmente não queria isso, sabia que iria vir falar com todos. A simpatia impedia que fosse o contrário, porém pior que isso foi ver que a simpatia diminuiu, falou com alguns, deu boa noite a todos, nem um olhar a mais para mim, foi para o balcão pedir seu lanche.
            Uma coxinha de frango com catupiry, um pedaço de pudim, e uma coca-cola de lata, repeti comigo enquanto o ouvia e via fazer o pedido, sempre pedíamos a mesma coisa, mesmo sabendo que o pudim não era dos melhores.
            Soltei um sorriso, algumas coisas não mudaram, mesmo sabendo que isso não significa nada, lá dentro saber que algo estava igual me incendiava o coração.
            Adriana olhou para mim, não sei há quanto tempo estava olhando, porém aproveitei o sorriso, e mostrei a Tv da lanchonete, que estava ligada naquela novela que todo mundo comenta, e da qual só sei o nome, entretanto novela sempre serve para mudar de assunto.
            Enquanto Adriana realmente comentava algo sobre os personagens, e ria de alguém que caia, perguntei sobre a vilã, e ela me contou as malvadezas da criatura. Olhando para Adriana vi de relance, sair da lanchonete aquele corpo que sempre quis, que olhava para trás conversando com Elton, de novo nossos olhos se encontraram, e dessa vez percebi o motivo da falta de brilho, não era tristeza, era raiva mesmo.
Dessa vez o olhar se manteve, e meu coração morreu por dentro, só queria sumir. Fechei os olhos com força dessa vez não consegui me controlar, senti lágrimas aparecerem, ouvi os chamados de alguém, acho que era Adriana, quem sabe.
Não era Adriana, era aquela voz, eu tinha que abrir os olhos para ver o que aconteceu de onde essa voz estava vindo? Na verdade abri os olhos, e vi o rosto, aquele incrível rosto, com os olhos inconfundíveis.
Percebi que a atenção estava virada para mim, procurei pelos outros, não estava mais ninguém por ali, a lanchonete sumiu, estávamos na minha casa.
- Ei não é hora de dormir, temos que fazer o trabalho, poxa! Ou você acha que vou fazer tudo?
Como assim, era tudo um sonho? Não podia ser! Olhei em volta estava na mesa, debruçado em cima do meu caderno, quando olhei para ele, estava escrito:
“Compromisso do dia: Me declarar, de hoje não passa!”
Olhei de novo para aquele sorriso, e aquela carinha de concentração, meu coração acelerou, queria roubar essa boca, pedir para que se concentrasse em mim, e dizer tudo...
Me contive, risquei meu caderno...
É melhor deixar para outro dia!!!

...

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